O Cortiço Por Aluísio de Azevedo

  • on 15/08/2010




  • Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo(1857-1913) foi um escritor, jornalista, caricaturista e diplomata brasileiro, nascido em São Luís do Maranhão. Com talento para pintura desde pequeno, a ela se dedicou, entrando na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro. Posteriormente, percebendo que o desenho não era sua vocação, embrenhou-se no terreno literário, inicialmente com Uma Lágrima de Mulher, de caráter romântico. Com seu amadurecimento literário, foi entrando em contato com a expoente corrente realista/naturalista européia, com obras de Eça de Queiroz e Émile Zola. Deste contato, nasceu O mulato e obras posteriores, sendo uma delas tida como sua obra máxima, O Cortiço.


       O enredo inicia-se com João Romão, português que vem ao Brasil com a intenção de enriquecer. Impondo-se condições rígidas de vida, como trabalhando extenuantemente e dormindo em cima de galpões, consegue obter uma venda e um considerável capital. Unindo-se com Bertoleza, escrava com certa autonomia e dinheiro, e mantendo sua vida contida, expande seus negócios, fazendo brotar em Botafogo um imenso cortiço. Como era próximo de uma pedreira e de uma vida fábrica de massas houve uma migração de operários para lá, criando o ambiente para a história. Então, surge uma diversidade de personagens. Há a Machona, lavadeira enviuvada ou separada, verdadeira mãe-fera que protege sua ninhada com seu ferro de engomar. Augusta Carne-Mole, mulher preguiçosa, casada com Alexandre, policial que se transfigura ao colocar a farda. Dona Isabel, falida mulher de alta sociedade que cria sua filha Pombinha, moça pura e inocente que, aos 18 anos, aguarda sua primeira menstruação para casar e sair do cortiço. Há ainda a figura de Jerônimo, português trabalhador que chega ao cortiço como cavouqueiro na pedreira com sua mulher Piedade. Aparece posteriormente Rita Baiana, mulata sensual que vive em festas e com dinheiro curto, amigada com Firmo, um capoeirista. Ao lado do cortiço, se localiza o sobrado de Miranda, um português enriquecido com o dote de sua mulher, a devassa Estela.



       A obra foi a fundadora do naturalismo no Brasil. Ela se apresenta como um romance de tese com ponta pé inicial em Germinal. O cortiço, tal como a mina Voreux, é um imenso ser vivo, nascido de João Romão e que morre ao final do livro quando de um grande incêndio, sendo a personagem principal. Aliás, o zoomorfismo- caracterização dos seres humanos como animais- é uma de suas características principais, característica essa que é reflexo do determinismo científico-segundo o qual o homem é produto do seu meio e de sua herança genética- presente neste livro, influenciado pelo darwinismo social e pelas ideias positivistas da época. A degradação humana, apresentada por Zola como decorrente da pobreza, é apresentada por Azevedo como inata ao homem, por ele ser e agir como um animal, sendo a riqueza uma mera diluição deste componente na solução da vida social, ilustrado no sobrado de Miranda, onde os personagens tem os mesmos vícios que os moradores do cortiço, mas disfarçados. Inclusive, os vícios e taras tem presença marcante na obra, colocando o sexo como agente primário da vida humana, como se observa na disputa de Jerônimo com Firmo(machos) por Rita Baiana(fêmea sensual) e-num dos melhores momentos do livro- na menstruação de Pombinha quando ela se torna uma fêmea efetiva e perde toda a sua pureza e vira uma prostituta de luxo. Outro paralelo que se pode estabelecer entre O Cortiço e seu correspondente francês foi a experiência dos dois autores nos locais que foram ambiente de suas obras, Aluísio viveu num cortiço carioca e Zola se submeteu as rígidas condições de vida dos mineiros franceses. Com isso, Aluísio obteve material e inspiração para, numa redenção de pintor, retratar com palavras um imenso painel da miséria humana.    

       Trecho do livro:
     “Rita, essa noite, recolhera-se aflita e assustada. Deixara de ir ter com o amante e mais tarde admirava-se como fizera semelhante imprudência; como tivera coragem de pôr em prática, justamente no momento mais perigoso, uma coisa que ela, até aí, não se sentira com ânimo de praticar. No íntimo, respeitava o capoeira; tinha-lhe medo. Amara-o a princípio por afinidade de temperamento, pela irresistível conexão do instinto luxurioso e canalha que predominava em ambos, depois continuou a estar com ele por hábito, por uma espécie de vício que amaldiçoamos sem poder largá-lo; mas desde que Jerônim propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestila reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua congênere, e queria a mulata, porque a mulata era o prazer, era a volúpia, era o fruto dourado e acre destes sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes.”
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