O adeus

  • on 21/05/2008

  • Ás vezes o inesperado acontece...
    Ás vezes temos de nos despedir de alguém muito importante...
    E não é apenas uma dor o que sentimos: É um vazio que corta, fere, pungencia, e não cicatriza.
    São as eternas víceras de prometeu devoradas durante os séculos por abutres.
    São os estigmas cristães perpetuados nas carnes de seus seguidores.
    E aos mesmo se fundem as dúvidas do príncipe Hamlet e as incertezas do homem barroco.
    A métrica parnasiana e a forma modernista, o indianismo e o condoreirismo românticos se equiparando nos confusos sentimentos humanos!
    É poesia de Gonçalves Dias em misto a Byroniana...
    É o mundo perdendo a vida que nele nasce e se encerra, que agora não tinhas cores, nem texturas, nem perfumes...
    E, assim, sentir uma flor brotar no sangue, na alma: a rosa de Hiroshima desabrochar em seu peito em tons cinza num quadro de Monet.
    O vôo de Pícaro,
    O inferno de Ades,
    As dúvidas Shakespeareanas.
    E na confusão doce e áspera, em tom uníssono, surge a lágrima implícita da sede eterna em um único espasmo finito...
    E então, enfim, a voz nínfica canta:


    Durma bem, querido, durma bem
    Feche os olhos: o dia se põe...
    As estrelas surgem altas no céu
    Por favor, querido, durma bem


    Esqueça o dia
    Esqueça o passado
    Descanse...
    Apenas encerre as pálpebras
    E descance:

    Lembre dos dias quentes, árvores e flores
    Pense nas borboletas estúpidas
    Sonhe com os rios,
    com futuros amores!
    E, enfim, durma bem...


    Sinta minha mão no seu rosto
    Escute minha voz nos seus ouvidos
    Ouça as palavras ditas em sussurro:
    -Durma bem querido, durma bem


    Quando estiver com medo,
    E apertaste com cálidas mãos o cobertor
    Quando a noite te assustar com sombras móveis
    Me chame, meu amor...
    E eu vos direi: -Durma bem...


    Se estiver sozinho
    E as horas tornarem-se logas
    Se o peito doer
    A voz sumir
    Lembre-se de mim
    E durma bem, apenas durma bem


    Um menino, no seu quarto de dormir
    Um menino, um menino
    Assustado, sozinho e quieto
    Apenas um menino...


    Não pude te dizer adeus
    Sua mãe não se despediu
    Me desculpe

    A poesia antes do tempo fugiu:
    Fébres, cóleras e gemidos...
    Me perdoe,
    Não disse adeus
    Me perdoe: o relógio urgiu...


    Quando estiver sozinho a noite
    E sua mãe não puder lhe acalentar...
    As mão frias no túmulo os carinhos pedidos
    Nos olhos espalmados irão refletir:

    Lágrimas tristes,
    Do coração de quem teve que partir...
    O único sussurro que de lembrança posso deixar
    E o único espasmo de consolação pra te dar
    É um sussurro, apenas frases e palavras:

    -Durma bem meu querido, durma bem...


    Rachell Ramalho
    Share |