Auto retrato do escritor enquanto corredor de fundo por Haruki Murakami

  • on 16/01/2010
  • Haruki Murakami(1949-) é um escritor e tradutor japonês. Alcançou reconhecimento no Japão e no mundo com o romance Norwegian Wood.Este e Dance, Dance, Dance já tiveram suas resenhas postadas no Andarilho. Entusiasta de autores como F. Scott Fitzgerald, Franz Kafka e Truman Capote, seus livros se destacam pelas situações mirabolantes, onde ele consegue, pelo enfoque dado a narração e pelo uso dessas situações tecer uma crítica ou uma reflexão muito diferente da sociedade moderna e das pessoas. Então, já era algo esperado que se o autor fosse fazer uma auto-biografia, seria algo igualmente incomum.
     A começar pelo título, que em inglês é What I Talk About, When I Talk About Running( homenagem feita a seu mentor Raymond Carver, autor de What We Talk About, When We Talk About Love) que traduz melhor a essência do livro.Falando sobre seu hobby, a corrida de longa distância, também conhecida como corrida de fundo, Murakami mostra uma sinceridade e um auto-conhecimento enquanto nos leva, a cada quilometro percorrido, seu método criativo, a gerência do bar que abriu quando desistiu da faculdade e o começo da sua carreira como escritor.
    Algo muito interessante que fica evidente nos seus escritos, mesmo tendo recebido muita influência dos autores ocidentais,  é como a herança nipônica,  o zen-budismo, a contemplação e a perseverança se mantém na sociedade japonesa. Falando sobre os seus treinos diários, quando se abandona numa consciência do seu físico e intelectual, da maneira mais natural possível.  Falando sobre a primeira maratona que correu, reproduzindo a famosa corrida que deu nome a modalidade, de Atenas até Maratona, transformando correr uma maratona por ano um hábito. Sobre a supermaratona que correu em Hokkaido, região norte do Japão, onde teve a experiência da anulação de sua consciência, algo próximo da meditação budista. Ainda fala sobre a superação do desconhecido no triatlo, onde enfrenta uma modalidade completamente desconhecida por ele: ciclismo. E, para concluir, esse livro também ilustra o processo natural da conscientização da idade, ilustrado de maneira irônica no capítulo 18 til' I Die. OBS: O livro é escritor em português de Portugal
    Trecho do livro: 
    "Como é evidente, correr uma prova tão longa revela-se naturalmente esgotante do ponto de vista físico. E, contudo, naquele momento a questão do esgotamento não era aos meus olhos o problema maior, como se tivesse havido uma aceitação natural do estado de fadiga extrema por parte da minha pessoa. Os meus músculos tinham deixado de funcionar, digamos assim. Parecia que a assembleia revolucionária dos músculos, que antes vivia em estado de plena efervescência, se mostrava agora disposta a aceitar a situação como uma inevitabilidade histórica, renunciando, como tal, a queixar-se. Decidamente, transformara-me num verdadeiro automáto que se limitava a abanar os braços para a frente e para trás, a bom ritmo, e a mexer as pernas, dando um passo de cada vez. Sem pensar em nada. Sem sentir nada. De repente, apercebi-me de que até mesmo a dor física se tinha evaporado. Ou então enfiara-se num canto qualquer, como acontece com os móveis e trastes velhos de que não nos conseguimos livrar de uma vez por todas.[...]
    Pode parecer bizarro, mas no final do percurso eu já não sabia de que terra era: não apenas o sofrimento físico se desvanecera, como a noção de quem eu era e do que andava ali a fazer tinham deixado de fazer sentido. Essa sensação poderia ter-se revelado extremamente alarmante, mas, pelos vistos,até mesmo incapaz de estranhar o que era estranho eu me sentia. Chegado àquele estádio, penetrara no terreno do metafísico. Primeiro, existia o acto de correr, e depois o meu ser como um apêndice a esse acto. Corro, logo existo."
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    2 Recados:

    Anônimo disse...

    Qual o livro dele em que faz uma referência ao metamorfose de Kafka?

    Arouca disse...

    A única referência que lembro dele ter feito a um livro de Kafka foi no Dance, Dance, Dance ao O Processo. Talvez esse livro que cite o Metamorfose seja o Kafka ao Beira Mar, que nao li.