O Jogador de Fiódor Dostoiévski

  • on 30/01/2010
  • Fiódor Mikhailovich Dostoiévski(1821-1881) foi um escritor russo. Um dos maiores expoentes da literatura ocidental, foi aclamado pela crítica da sua época. Sua vida pessoal repleta de tragédias, como a culpa que sempre carregou pela morte de seu pai, crises de epilepsia, exílio na Sibéria e vício pelo jogo, fez com que sua obra focasse muito na miséria humana e em doenças morais, físicas e psicológicas abundantes em todos seus personagens. Tratar de maneira tão extensiva da miséria humana e das tentativas de evita-las fez com que ao lado de Kierkegaard, Schopenhauer e Nietzsche  seja considerado um dos inspiradores do existencialismo.

    A história se passa na cidade de Rolletenburgo, na Alemanha. O narrador Alexis Ivanovitch é o preceptor dos filhos do general, um falido nobre russo que dinheiro a Des Grieux, esnobe marquês francês, e é perdidamente apaixonado por Mademoisell Blanche, uma cortesã francesa com falma de golpista. Alexis adrenta nos mistérios dessa família para descobrir qual a estranha relação entre Paulina, enteada do general por quem sofre um amor platônico, Mr Astley, lorde inglês que se vê envolvido no caso familiar, e o resto dos personagens com a herança de Antonina Vassilievna, matriarca da família a quem pertence uma enorme fortuna e que aparece posteriormente na história.O que é fácil observar é a concentração intensa nos dialógos. Aliás, a maneira como o livro é escrito lembra muito um roteiro cinematográfico. As discussões intensas de Paulina com Aleksei, a arrogância de Des Grieux e todas as outras cenas emblemáticas do livro são bem fortes e conseguem prender a atenção.
     Este livro, apesar de rápido de ler, é uma leitura bem pesada, característica da literatura russa. Os personagens densos, a falta de descrições e o enfoque, característico do existencialismo, na miséria humana e nos conflitos psicológicos (aqui mostrada pela figura do cassino, antro de diversões dos ricos, cujas vidas superflúas são preenchidas com pequenas novas emoções a cada instante em contraste com o pobre que vê no jogo a sua chance de ascensão, de mudança de vida) ganha contornos interessantes na mão de Dostoievski, por apresentar um narrador em conflito constante, seja com os conflitos com a classe abastada (tema comum na vida russa, marcada pela servidão extrema, mas comum ainda na vida do autor, já que seu pai foi assassinado por uma rebelião de servos e por ele próprio ter sido mandado a Sibéria por se opor ao czarismo) ou a questão patriotica, algo incomum ao existencialismo, nos contornos dos personagens russos auto destrutivos, todos ficam loucos, falidos ou viciados(em um caso, os três), nos personagens poloneses e franceses aproveitadores e golpistas, judeus agiotas e ingleses corteses e fleumáticos.
    Mergulhar nessa obra é se afundar numa tempestade caótica, quando você sente a loucura abatendo vários personagens e se sente um pouco menos são no final.
    Trecho do livro:
    "[...]Devo dizer que, à minha frente, um francês ganhou e perdeu seneramente e sem um traço sequer de emoção trinta mil francos. Creio que um verdadeiro cavalheiro deve perder tudo sem qualquer emoção. O dinheiro deve ficar tão abaixo de um cavalheiro que ele o negligencia sem se inquietar. Claro, é muito aristocrático parecer ignorar o quanto todo aquele ambiente é vulgar e devasso. Entretanto, a atitude contrária também é muitas vezes igualmente distinta: notar, quer dizer olhar e mesmo observar, seja atraves de um binóculo, toda esta canalha, mas considerando toda esta turba e toda esta lama como uma espécie de divertimento, uma representação organizada para o descanso dos cavalheiros. Podemos nos misturar a esta turba mas olhar em torno com absoluta convicção mantendo-se como espectador e sem se permitir ser envolvido em sua composição. Por outro lado, não convém tampouco observar com excessiva insistência. Novamente, isso seria indigno de um cavalheiro, pois, em todos os casos, este espetáculo não merece uma atenção tão continuada. E, em geral, existem poucos espetáculos dignos da atenção de um cavalheiro. Ora, eu tinha a impressão que tudo aquilo merecia ao contrário uma atenção muito firme, sobretudo para quem não veio apenas observar mas se unir sinceramente e de boa fé a toda esta canalha. Quanto às minhas convicções morais mais secretas, elas não tem evidentemente lugar nas considerações atuais. Tudo bem, disso isso por desencargo de consciência. Mas observarei o seguinte: desde algum tempo, é para mim muito desagradável adequar minhas ações e meus pensamentos a qualquer critério moral. Tenho me voltado para uma outra direção..."
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