Os Irmãos Karamazov de Dostoievski

  • on 01/05/2010
  • Fiódor Mikhailovich Dostoievski(1821-1881) foi um escritor e militar russo. Teve uma vida marcada que moldaram sua personalidade e seus livros como a execução simulada que sofreu, a sua ida para a Sibéria como prisioneiro, as crises de epilepsia constantes e o vício na roleta. Um forte representante do naturalismo, suas obras apresentam as misérias e os desvios humanos, porém com uma novidade: a investigação da psicologia e das emoções dos personagens, em oposição ao naturalistas habituais, que dão um enfoque muito mais físico e científico na análise das patologias sociais. Por seu enfoque no psicológico humano, Dostoievski cunhou amizades com o movimento psicanalista que acabava de aparecer na época, em Viena, o que também refletiu nos seus livros: lançando questões como a duplicação da alma, em O Duplo(ou O Sósia dependendo da tradução), ou  transtornos mentais frenquentes em boa parte dos seus personagens. 

    O livro que apresenta mais forte essas características, sendo apontado por Freud como "a maior obra da história", é Os Irmãos Karamazov. A trama principal gira em torno dos três irmãos Karamazov: Alieksiéi(Aliocha) o monge, Dmitri(Mitia) o militar e Ivan(Vania) o intelectual ateu com um fato que abalou a pequena cidade de Skotopringonievski( na tradução do livro, Mercado de Animais) no interior da Rússia: o assassinato do devasso Fiódor Pavlovitch Karamazov, pai dos irmãos, sendo o principal suspeito Dmitri, pelo seu relacionamento tempestuoso com o pai e por eles disputarem o amor de Agrafena Alexandrovna(Gruchenkha). E vários personagens, como o stariets(espécie de eremita) Zózima guia espiritual de Aliocha, Iekaterina Ivanovna noiva de Mitia por quem Ivan se apaixona, Smerdiakov orfão repulsivo e epiléptico que dizem ser filho bastardo de Fiodor Pavlovitch, giram em torno do enredo principal, aumentando e detalhando a personalidade de cada um dos irmãos.
     O livro em si é bem tenso.O enfoque principal é apontado como um representante maior, principalmente por Freud, do Complexo de Édipo, conflito existente entre filho e pai em vista da sucessão deste por aquele tendo como consequência a possessão da mãe(que representa a figura feminina idealizada), que é dito como base das nossas neuroses e da construção de nossa psique. é apresentada uma eterna culpa por terceiros(característica essa aparente na biografia de Dostoievski que se sentiu culpado pela morte do pai, ele mesmo sendo um dos maiores representantes do Complexo de Édipo e da vontade inata do parricídio) tornando todos os irmãos ,incluindo Smerdiakov, parricidas. A maior parte das conversas tem cunho metafísico ou religioso e não contribuem para a trama em si e todo o livro se desenrola neste espírito(prova máxima disso é ter um capítulo inteiro só dedicado a biografia do stariets Zozima, o que não tem nada haver com a história). O que é aparentemente uma desvantagem, por deixar a leitura do livro mais lenta e para alguns enfadonha, se mostra a força motriz da obra. Porque analisando a fundo os conflitos familiares dos Karamazov e todos os outros personagens, que são espécies de espelho de ampliação da personalidade deles, vemos sua visão de que o ser humano(principalmente o russo) é um ser dual, que estabelece sua personalidade e seu caráter por conflitos. Em oposição ao niilismo resultante da chamada "morte de Deus", há a ortodoxia religiosa russa. Os russos, alcoólatras e viciados no jogo, são opostos aos ocidentais moralistas. Mesmo cada indivíduo apresenta, como Mítia, uma luta eterna entre vício e autodestruição com virtude e redenção conflito este pintando no estonteante tom cinza de Dostoievski.
    Trecho do Livro:(quando do julgamento de Dmitri Fiodorovitch Karamazov)
    "Não me acrediteis, considerai-me um doente, mas lembrai-vos de minhas palavras; mesmo que eu não diga senão a vigésima parte da verdade, é de fazer fremir! Olhai quantos suicídios ocorrem entre os jovens! E eles se matam sem perguntar a si mesmos, como Hamlet, o que haveria 'em seguida', a questão da imortalidade da alma, da vida futura não existe para eles. Vede nossa corrupção, nossos devassos: ao lado deles Fiódor Pavlovitch, a desgraçada vítima desse processo, parece uma criança inocente. Ora, nós todos os conhecemos; vivia entre nós... Sim, a psicologia do crime, na Rússia, será talvez estudada um dia por espíritos eminentes entre nós e na Europa, porque o assunto vale a pena. Mas esse estudo virá depois, com vagar, quando a incoerência trágica da hora atual, não sendo mais que uma recordação, poderá ser analisada mais imparcialmente do que sou capaz de faze-lo. No momento,  nós nos aterrorizamos ou fingimos atemorizarmos, embora saboreando esse espetáculo, como amadores de sensações fortes, que sacodem nossa cínica ociosidade, ou, como as crianças, que escondemos a cabeça sob o travesseiro à vista desses fantasmas que passam, para esquecê-los em seguida na alegria e nos prazeres. Mas um dia ou outro será preciso refletir, fazer nosso exame de consciência, dar-nos conta de nosso estado social. Um grande escritor do período precedente*, no final de uma de suas obras-primas, comparando a Rússia a uma fogosa tróica, que galopa para um fim desconhecido, exclama:'Ah! tróica, ligeira como um pássaro, quem pois te inventou?', e num ímpeto de entusiasmo, acrescenta que, diante dessa tróica, em disparada, todos os povos se afastam respeitosamente."
    *Referência a Almas Mortas de Gógol
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    1 Recados:

    Djan Krystlonc disse...

    Os autores Russos são sem dúvida capazes de um concretismo desapaixonado que me arrepia.