Memórias Póstumas de Brás Cubas por Machado de Assis

  • on 06/06/2010
  • (Black Label Society- Just Killing Time)
    Joaquim Maria Machado de Assis(1839-1908) foi um cronista, jornalista, escritor e crítico brasileiro. Hoje reconhecido como um dos maiores romancistas da literatura brasileira, foi o criador da Academia Brasileira de Letras e um dos primeiros e principais nomes do movimento realista no Brasil. O olhar aguçado e uma percepção literalmente(ou melhor, literariamente) cáustica foram características que o possibilitaram como um crítico vulgar para sua época, mas um dissecador sem par para a posteridade. O seu estilo; seco demais para os românticos, poético demais para os realistas; causa estranhamento até hoje nos leitores mais desacostumados, mas também criou uma nova maneira de narração.

    Com sua singela dedicatória( "ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver") o defunto-autor Brás Cubas começa a narrativa da sua vida. Filho da pequena burguesia do Segundo Reinado, o jovem Brás Cubas cresce sendo mimado pelo pai, até que se envolve com Marcela, a quem cobre de presentes caros, forçando o seu pai a enviá-lo a Lisboa, onde completa seus estudos, tornando-se bacharel em Direito, cheio de ambições quanto ao futuro. Volta ao Rio de Janeiro, onde após a morte de sua mãe e a desilusão com uma garota coxa, conhece Vírgilia que o troca por Lobos Neves, jovem político. Posteriormente, essa mesma Vírgilia se torna sua amante, enquanto ele progride na redação de seus tratados sobre política e filosofia, todos recebidos com indiferença, e na ambição de se tornar político, o que conseguido após pequeno intervalo. Acontecimentos posteriores se seguem como o rompimento com Vírgilia, os encontros com o filósofo humaniticista(isso mesmo) Quincas Borbas e a morte de Dona Plácida, cumplíce de Brás e Vírgilia nos seus encontros amorosos.
     O livro foi um marco na obra machadiana, pois representou a transição do seu período mais romântico para a fase realista onde ele revela sua verdadeira força. Ao retratar sua própria vida, Brás pinta a existência humana em tons de cinza, revelando personagens apáticos, sendo empurrados pela vida e pelas convenções sociais, todos sendo lentamente digeridos pelo tempo(ilustrado de maneira fantástica por Marcela). A sua narrativa é recheada de desvios, onde Brás explica sua conduta expondo argumentos absurdos, uma clara crítica ao positivismo presente no realismo europeu, crítica essa desenvolvida em O Alienista. A obra termina como começa: com a morte do protagonista/narrador que tem uma vida nem má nem boa, não foi ilustre e nem totalmente incógnita e seu único saldo negativo com a vida, em suas palavras,:"não tive filho, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
    Trecho do livro(antes de sua morte, Brás Cubas delira e trava dialogo com a Natureza, também denominada Pandora):
    "Dizendo isto, a visão estendeu-me o braço, segurou-me pelos cabelos e levantou-me ao ar, como se fora uma pluma. Só então pude ver-lhe de perto o rosto que era enorme. Nada mais quieto; nenhuma contorção violenta, nenhuma expressão de ódio ou ferocidade; a feição única, geral, completa, era a da impassibilidade egoísta, a da eterna surdez, a da vontade imóvel. Raivas, se as tinha, ficavam encerradas no coração. Ao mesmo tempo, nesse rosto de expressão glacial, havia um ar de juventude, mescla de força e viço, diante do qual me sentia eu o mais débil e decrépito dos seres.
     -Entendeste-me?-disse ela, no fim de algum tempo de mútua contemplação.
     -Não -respondi-; nem quero entender-te; tu és absurda, tu és uma fábula. Estou sonhando, decerto, ou, se é verdade que enlouqueci, tu não passas de uma concepção de alienado, isto é, uma coisa vã, que a razão ausente não pode reger nem palpar. Natureza, tu? A Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como o sepulcro. E por que Pandora?
     -Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperança, consolação dos homens. Tremes?
     -Sim; o teu olhar fascina-me.
     -Creio; eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada."









                                                                                          
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